quarta-feira, 12 de fevereiro de 2014

NA FOLHA DO ESTADO HOJE UMA REFLEXÃO SOBRE A MORTE DE SANTIAGO ANDRADE

Maurelio Menezes


SOMOS TODOS SANTIAGO

Nenhum protesto existe sem causa. Esta pode ser até manipuladora, mas existe. Podemos até ser contra esta ou aquela manifestação, mas é importante que num momento lamentável, trágico mesmo, como este da morte do repórter cinematográfico da Band Rio, Santiago Andrade, reflitamos sobre o rumo que nosso país está tomando, não pelas manifestações que estão sendo realizadas, mas pela inoperância do poder hegemônico que de esperança se transformou em decepção.
Santiago morreu numa fatalidade porque ninguém apontou o tal rojão especificamente para ele. Colocaram fogo e jogaram no chão.  Aliás, de acordo com um colega, ele esta indo embora, fazendo mais dois “takes” para fechar a reportagem. Santiago morreu como ao longo da historia morreram muitos trabalhadores simplesmente porque eram trabalhadores e estavam, honestamente, desenvolvendo sua função.

Nossa polícia é violenta por natureza. E o é em todos os estados e cidades, porque ainda é treinada com as técnicas e táticas dos tempos de ditadura. Dia desses, numa briga de torcidas do Corinthians, mesmo com um torcedor caído um PM continuou a dar “cassetetada” nele. Não seria o caso de parar, afinal, ele estava dominado? Não, porque ódio está no sangue, no DNA de nossa polícia... No Brasil não existe black bocks, e já escrevi sobre isso aqui neste espaço. Os manifestantes cobrem o rosto para não serem identificados por essa polícia que inclusive se infiltra e muitas vezes solta ela mesmo os rojões para desacreditar este ou aquele movimento social...

Há pelo menos cinquenta anos, somos dirigidos por uma sequencia de governos neoliberais (mesmo levando-se em conta que durante o regime militar não existia o neoliberalismo, criado a partir do Consenso de Washington), que privilegiam o consumo e usam o consumo como se isso fosse uma conquista social. É o que Guy Débord chamara de Sociedade do Espetáculo onde não importa o que você é e sim o que você aparenta ser.

Se, por um lado, o consumo dá ao adolescente e mesmo ao adulto uma sensação de inclusão, o consumo só faz aumentar a diferença entre a ponta e a base da pirâmide social. O neoliberalismo, que todos esses governos assumiram como cartilha é a pior faceta do capitalismo exatamente por isso. E em países que tem sistemas eleitorais ultrapassados como o nosso, a coisa é pior ainda. De uma só vez aumenta as diferenças na pirâmide social, leva à escolha de um Congresso, Assembleias Legislativas e Câmara de Vereadores que não representam o cidadão, também porque os parlamentares ficam isolados em seus escritórios, fazendo tudo, menos o que o interessa a este cidadão.

Em momentos como esse é comum aparecerem pessoas questionando nas mídias sociais “É assim que queremos mudar o país?” A transformação de um país é muito mais complexa do que se pensa e do que afirmam discursos superficiais, quase sempre conservadores. Também como já escrevi neste espaço, Gramsci, há quase cem anos afirmou que a única forma de transformar a sociedade é por meio da elevação cultural das massas. E a escola teria papel fundamental nisso. Não essa escola que ai está (e a de hoje no Brasil não é muito diferente da que ele conheceu na Itália). Gramsci falava numa escola onde poderiam estudar os filhos dos ricos e dos pobres (dos burgueses e dos trabalhadores, como ele, nessa época socialista, afirmava) A escola não transforma o mundo, mas transforma o homem, que tem o poder de transformar o mundo, já dizia Paulo Freire.

Santiago morreu como morrem todos os dias crianças e adultos pelo descaso com a Saúde... Santiago morreu como o país está morrendo pelo desrespeito à Educação e a quem deveria transformar o país. Santiago morreu como todos os dias morrem um pouco os trabalhadores ao usar esse transporte coletivo obsoleto, destruído, que tira horas diárias da vida deles porque o poder público prefere atender a reivindicações dos empresários e joga a policia para responder às reivindicações dos trabalhadores.

 Da mesma forma que somos todos Amarildo, o trabalhador que sumiu na Rocinha, no Rio de Janeiro e para cujo caso até hoje o poder público não apresentou uma solução, hoje somos todos Santiago...